DOMINGO NÃO!
A luta dos comerciários pelo direito ao descanso
Ao longo dos séculos, as classes trabalhadoras travam batalhas ininterruptas por seus direitos. Nessa jornada, nada foi conquistado sem organização e luta. Conquistas históricas como o direito a jornada de 8 horas, foram obtidas ao custo de perseguições, prisões e mesmo de vidas preciosas.
Nesse momento, em que a sociedade tem debatido intensamente a luta pelo fim da escala 6×1 e os comerciários de Belo Horizonte e Região seguem mobilizados contra o PL851, mais conhecido como PL da escravidão no comércio, levantamos ainda mais alto a bandeira do não funcionamento do comércio aos domingos.
DOMINGO NÃO! Essa é a nossa consigna, que remonta décadas de lutas.
É preciso desmistificar o discurso daqueles que propagam um suposto “espírito empreendedor” que significa, na prática, a escravidão por detrás de um balcão em favor apenas do lucro de umas poucas grandes redes.
Retomamos aqui uma breve linha do tempo e trazemos à tona argumentos que embasam e norteiam nossa luta para que elevemos juntos nossas vozes: DOMINGO NÃO!
A LUTA PELA REGULAMENTAÇÃO DA JORNADA DE TRABALHO

“8 horas de trabalho, 8 horas de descanso, 8 horas de lazer, cultura e outras atividades”: tamanha é a atualidade desse cenário perseguido há mais de um século pelos trabalhadores que ainda hoje ele é tema e objetivo de grande parte da luta das classes trabalhadoras.
1 de maio de 1886
Grandes manifestações pela jornada de 8 horas tiverem seu ápice em Chicago e várias outras cidades dos Estados Unidos. Um grande protesto se deu nessa data histórica em que milhares de trabalhadores se levantaram em greve.
Os principais dirigent
es desses protestos foram perseguidos, presos e alguns deles mortos. “Os 8 de Chicago”, como ficaram conhecidos os dirigentes mais destacados, estão eternizados na história da luta dos trabalhadores pela jornada de 8 horas de trabalho.
A luta pela jornada de 8 horas no Brasil

O início do século XIX é marcado por movimentos grevistas, sobretudo na cidade do Rio de Janeiro, que concentrava as principais oficinas e fábricas do país.
Em 1906, ocorreu uma grande e vitoriosa greve dos sapateiros que contou com a solidariedade da maioria dos outros sindicatos da cidade.
Em 1911, 1913, 1917 ocorreram novas greves operárias, reivindicando a implantação das 8 horas diárias de trabalho, além de aumentos salariais e melhores condições de trabalho.
Em 1920, a jornada de 8 horas diárias foi implantada para a maioria das categorias de trabalhadores fabris do Rio de Janeiro.
1932: grande manifestação e decretação das 8 horas para os Comerciários

Em 29 de outubro de 1932, mais de 40 mil trabalhadores, sendo grande parte deles comerciários, tomaram as ruas do Rio de Janeiro em defesa da jornada de 8 horas de trabalho. Esta grande manifestação escreveria uma das mais importantes histórias da luta dos comerciários no Brasil e ficou registrada como um grande acontecimento em prol dos direitos
O protesto dirigiu-se ao palácio do Catete, sede do governo federal à época, onde os manifestantes foram recebidos pelo então Presidente Getúlio Vargas, que atendendo às reivindicações dos trabalhadores, assinou o Decreto de Lei nº 4.042, de 29 de outubro de 1932, determinando a jornada de trabalho para 8 horas por dia e o repouso remunerado aos domingos para os comerciários.
A partir dessa grande conquista, o 30 de outubro, foi incorporado às tradições dos sindicatos de comerciários em todo o país e passou a ser celebrado como marco histórico da luta de nossa grande categoria.
A luta e a legislação pelo DESCANSO AOS DOMINGOS NO BRASIL
O repouso semanal, especificamente o repouso aos domingos, tornou-se ao longo dos séculos, um costume generalizado. Em 1919, ele já era previsto como recomendação no Tratado de Versalhes, celebrado no fim da Primeira Guerra Mundial.
O Decreto n. 21.186/32, do Governo Provisório instaurado sob Getúlio Vargas, determinava em seu: “Art. 3º: O descanso semanal terá a duração de vinte e quatro horas consecutivas, e ser-lhe-á destinado o domingo, salvo convenção em contrário entre empregadores e empregados ou motivos, quer de interesse público, quer de natureza de ocupação.”
A Constituição de 1934 (artigo 121, e) conferiu hierarquia de direito fundamental do trabalhador ao “repouso hebdomadário, de preferência aos domingos”, direito mantido na Constituição de 1937 (artigo 137, d) que conferiu aos trabalhadores o “direito ao repouso semanal aos domingos”.
O artigo 67, da CLT, fixou no domingo o repouso semanal de todo empregado, “salvo motivo de conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço”.
A Constituição de 1946 tornou obrigatória a remuneração do repouso semanal, que se manteve “preferencialmente aos domingos” (artigo 157, VI).
Em 14 de janeiro de 1949, o Diário Oficial da união teve a publicação da lei nº 605 que determinava:
“Repouso semanal remunerado e o pagamento de salário nos dias feriados civis e religiosos.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
Descanso semanal
Art. 1º Todo empregado tem direito ao repouso semanal remunerado de vinte e quatro horas consecutivas, preferentemente aos domingos e, nos limites das exigências técnicas das empresas, nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local.” [grifo nosso]
Mesmo nos períodos mais duros da Ditadura militar, que infelicitou o nosso povo e a Nação entre 1964 e 1985, a tradição do descanso aos domingos foi mantida, mesmo sob dura perseguição, tortura e desaparecimento de dirigentes sindicais, lutadores sociais e trabalhadores.
Na Constituição de 1988, o descanso aos domingos está em seu artigo 7º: “São direitos fundamentais dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (…) XV – repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos.”
Um direito fundamental
Se Deus ‘descansou’ ao sétimo dia (Êx 31,17), o homem deve também ‘descansar’ e deixar que os outros, sobretudo os pobres, ‘tomem fôlego’ (Êx 23,12).
Em seu trabalho acadêmico intitulado Análise do Problema da Abertura do Comércio aos Domingos, os autores José de Oliveira Siqueira, Claudio Felisoni de Angelo e João Paulo Lara de Siqueira (Dep. de Administração FEA-USP) argumentam que:
Do ponto de vista econômico conclui-se que não há geração expressiva de empregos, nem tão pouco aumento significativo da atividade econômica. Além disso, os custos operacionais são aumentados, prejudicando particularmente os pequenos negócios. Para os comerciários há o inconveniente da privação do seu direito ao descanso semanal e redução do convívio familiar. Conclui-se que somente a intervenção do Estado por meio da Lei é capaz de restituir uma situação mais harmônica que deixou de existir quando as primeiras lojas passaram a abrir aos Domingos.
(…)
Do ponto de vista religioso, os autores destacam os séculos de tradição que estabeleceram o descanso aos domingos, desde os judeus, com o shabbat, que significa repouso aos sábados, e o dia seguinte, o domingo, chamado Dia do Senhor pelos cristãos.
(…)
Sobre possíveis benefícios do funcionamento do comércio aos domingos, os autores argumentam que “evidentemente que estando as lojas abertas um dia a mais isto representa comodidade para as pessoas na condição de consumidoras. Uma primeira questão que pode ser suscitada é: há crescimento significativo das vendas? Se houver, deve-se indagar adicionalmente: essa expansão induz a um aumento no nível de emprego? Finalmente, é preciso responder: tal medida atende a interesses de qual grupo social?”
Na sequência, citam um estudo realizado em 1999 pelo PROVAR, que ouviu 400 habitantes da cidade de São Paulo indagava em uma de suas questões para as pessoas que já fizeram compras aos Domingos o seguinte: você teria realizado a compra em outro dia da semana caso as lojas não estivessem abertas no Domingo? Dos entrevistados somente 4,8% das pessoas afirmou que certamente não teria feito essas compras em outro dia da semana.
O comércio fecha aos domingos nos países mais desenvolvidos
Na Espanha, a maior parte das lojas e supermercados fecha aos domingos.
Na Alemanha, vigora a Ladenschlussgesetz, lei que impõe o fechamento dos comércios aos domingos.
Na Áustria e na Suíça, uma grande parte das lojas fecha aos domingos e aos feriados.
Também na Bélgica é difícil encontrar supermercados abertos aos domingos. O mesmo se dá em Luxemburgo, onde grande parte dos supermercados só abre pela manhã nesses dias.
Na Polónia, a legislação determina o fechamento do comércio aos domingos para que os pais possam conviver com seus filhos.
Na Noruega e na Grécia a legislação também restringe o trabalho aos domingos, o mesmo ocorrendo em Malta e Montenegro.

DOMINGO NÃO!
Na década de 1990, com a eleição de Fernando Henrique Cardoso e o avanço do “neoliberalismo”, houve uma ofensiva das grandes redes multinacionais e também dos grandes grupos nacionais para alterar, mutilar e praticamente revogar a lei 605/49, basta ver o número de adendos e cortes que seu texto original sofreu ao longo das décadas:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l0605.htm
Em 21 de junho de 1991 é publicada a Lei nº 5913, que altera a legislação que regula o horário do comércio de Belo Horizonte. Em seu artigo 4º, a lei determina que “nas datas tradicionalmente comemoradas no Município, mesmo quando coincidentes com feriados ou domingos, fica o Poder Executivo autorizado a permitir o funcionamento de qualquer estabelecimento comercial, independentemente da opção de horário adotada, desde que seja requerida licença à Prefeitura, com anuência por escrito do sindicato de classe, respeitada a legislação trabalhista e com indicação do horário pretendido, respeitando-se sempre o limite previsto no art. 1º.”.
Aqui se estabelece uma trava, que é a Convenção Coletiva de Trabalho, instrumento que o Sindicato dos Comerciários de Belo Horizonte e Região vem defendendo com muita luta e resistência ao longo dos anos.
Ainda na década de 1990, em diversas regiões do país, notadamente no Rio Grande do Sul, mas também aqui em Belo Horizonte, desenvolveram-se campanhas e mobilizações contra a abertura do comércio aos domingos. Havia um bordão: “DOMINGO NÃO! Atrás do balcão também bate um coração”.
No ano 2000 é publicada a LEI No 10.101, DE 19 DE DEZEMBRO DE 2000, que em seu artigo 6º decreta que “fica autorizado o trabalho aos domingos nas atividades do comércio em geral, observada a legislação municipal, nos termos do art. 30, inciso I, da Constituição.”
Nos últimos anos, os Comerciários de Belo Horizonte travaram duras batalhas, com mobilizações e manifestações que barraram primeiramente o PL467, que pretendia acabar com os feriados de carnaval e do dia dos comerciários e instituir o funcionamento do comércio 24 horas, ao arrepio da lei, da CCT, atropelando toda e qualquer discussão sobre mobilidade e segurança dos comerciários e dos consumidores. Dito PL foi “requentado” e entrou novamente em tramitação, agora sob a designação de PL 851, mais conhecido como PL da escravidão no comércio.
Os comerciários, mobilizados pelo Sindicato dos Comerciários de Belo Horizonte e Região, estão atentos e preparados para, mais uma vez, barrar esse famigerado Projeto de Lei.
Vamos à luta!
A luta contra a abertura do comércio aos domingos é uma bandeira histórica dos comerciários, e também dos pequenos e médios comerciantes.
É fato conhecido por todos aqueles que realmente se dedicam ao comércio, que a abertura dos estabelecimentos comerciais aos domingos não gera impacto positivo em aumento de vendas ou emprego em nosso país, com exceção da véspera de datas comerciais como Dia das Mães, Dia das Crianças, Dia dos Pais ou nas Festas de fim de ano. Nesse período sim, havendo acordo e com amparo na CCT e na legislação, os comerciários têm a oportunidade de somar a sua renda as comissões que permitem que eles também tenham boas festas nesses períodos e possam não só fazer crescer suas rendas como proporcionar algo a mais para suas famílias.
É preciso desmistificar o discurso de um suposto “sentimento empreendedor” que submete o comerciário à escravidão atrás de um balcão. Esse discurso de que se deve “trabalhar mais para produzir mais”. Ora, produzir mais o que e mais para quem?
É preciso combater a cultura vazia do consumismo, que prega que os comerciários devam ficar à mercê, por detrás de um balcão, sem o direito de conviver com suas famílias, descansar, estudar, se qualificar, ter um momento de lazer, etc. somente para que uma parcela da população possa passear, ver vitrines ou fazer compras.
Se o comércio não abrir aos domingos, certamente a sociedade se organizará para fazer compras no fim do expediente de sexta-feira, aos sábados ou em outro momento.
E se uma parcela grande da sociedade “não tem tempo” para fazer as compras essenciais nesses dias, isso quer dizer que há algo muito errado, e que não só os comerciários, mas todos os trabalhadores devem lutar pelo direito ao descanso e para que possam sim, descansar, passear, ler um livro, conviver com suas famílias, e desfrutar um pouco da vida enquanto tem força e saúde.
Devemos realizar uma ampla campanha de VALORIZAÇÃO DO COMERCIÁRIO. Os comerciários são responsáveis por fazer chegar comida às mesas brasileiras, roupas, materiais escolares, brinquedos, calçados, carros, etc. Somos responsáveis por uma parcela enorme da circulação da economia no país, que corresponde a quase 40% do PIB. Sempre estivemos de prontidão em nossos postos de trabalho. Merecemos e exigimos respeito!
Exigimos o direito de ver nossos filhos crescerem, poder fazer a lição de casa com eles. Ir ao culto ou a missa com nossas famílias. Desfrutar da luz do sol, dos parques. Nós que atendemos a população por detrás de um balcão, também temos o direito de sair e fazer compras, de visitar parentes no interior, de sair para almoçar aos domingos com a família, ver um jogo de futebol.
EM BELO HORIZONTE E REGIÃO SOMOS MAIS DE 240 MIL CORAÇÕES BATENDO JUNTOS e devemos conhecer, defender e valorizar nossos direitos.
E OS COMERCIÁRIOS VÃO ELEVAR SUA VOZ PARA DIZER: DOMINGO NÃO!
Levantamos esse debate para toda a sociedade pois isso não se trata só de comércio. Estamos falando da sociedade que queremos para nosso futuro, para o nosso presente, para os nossos filhos. Estamos falando de uma cidade em que sejamos respeitados. Em que as mulheres comerciárias tenham direito a creche para seus filhos e possam ir e voltar seguras para o trabalho. Estamos falando de uma cidade que tenha segurança pública para proteger o comerciário, o lojista e os consumidores, que tenha mobilidade urbana, que respeite os comerciários e que respeite o comércio!
Um comércio vibrante e uma economia forte dependem de COMERCIÁRIOS RESPEITADOS, SATISFEITOS COM SEU AMBIENTE DE TRABALHO, COM BONS SALÁRIOS, COM DIREITO AO DESCANSO.
POR ISSO DIZEMOS MAIS UMA VEZ: DOMINGO NÃO, DOMINGO NÃO, DOMINGO NÃO!
Sindicato dos Comerciários de Belo Horizonte e Região
Janeiro de 2025
Referências bibliográficas:
– A luta dos trabalhadores brasileiros pela redução da jornada de trabalho e suas contradições na atualidade Ariel Martins Azevedo Bacharel e Licenciado em Sociologia pela Universidade de Brasília
– https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/ – Hemeroteca Digital – BNDigital – Fundação Biblioteca Nacional – Acervo de jornais digitais
– Memorial da Democracia – https://memorialdademocracia.com.br/
– Análise do Problema da Abertura do Comércio aos Domingos – José de Oliveira Siqueira, Claudio Felisoni de Angelo e João Paulo Lara de Siqueira (Dep. de Administração FEA-USP)
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Este material foi produzido pelo Sindicato dos Comerciários de Belo Horizonte e Região – SECBHR.
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